sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Pai

Encontrei com meu pai hoje depois de um tempinho. Tenho idas e vindas com ele. Épocas que estamos grudados, épocas em que enchemos o saco um do outro, épocas mais ou menos. Amo e odeio. Mas o fato é que tudo o que ele faz me afeta e vice-versa. Às vezes, entramos num joguinho nada saudável de disputa para ver quem tira o outro do sério primeiro.

Até hoje não sei dizer quem é melhor. É palio duro. Se sou criança, impaciente, geniosa, estabanada, grossa, aparentemente fria e teimosa, vocês não conhecem meu pai. É um exemplar num estágio mais avançado, considerando que ele tem 55 anos, é casado há 28 e tem duas filhas. O mínimo de responsabilidade e vergonha na cara esse cara tinha que ter. Mas não tem. Nunca teve. E demorou para a gente se respeitar.

O fato é que mesmo brigando bastante, ele é a única pessoa que eu tenho certeza que vai estar ali a hora que for, para o que for. Já tive provas concretas, bem mais de uma vez. Meu pai não é um pai. Claro que é um pai, mas eu nunca encontrei ou escutei ninguém falando de um pai que fosse parecido com o meu pai. Meu pai está mais para amigo grande que me dá problema de vez em quando, do que um pai. Isso durante muito tempo foi motivo de ódio interno. Hoje, é motivo de alegria. Prefiro muito mais ter um pai amigo do que um pai só pai. Dá trabalho, mas dá muito mais. Dá o tempo todo.

Nunca me senti amada só olhando para o olho de alguém. No olho do meu pai está escrito ‘eu te amo’. No sorriso dele, está dito ‘tenho um baita orgulho de você’. Na desatenção dele, escapa um: ‘sou quem eu sou. Não vou mudar’.

Hoje, não quero mais que você mude, pai. Quero você assim, do jeitinho que é. Quero falar o que der vontade e ir embora sem dar explicação. Quero aparecer sem dar explicação. Quero falar, não responder. Quero sentir, não falar.

Isso tudo é porque nesse encontro com meu pai hoje, falei pela primeira vez que estou escrevendo. Primeira pergunta dele: já falou de mim? Eu podia ter dito que sim. Lembra a historinha do mentir pra não magoar e não ter que dar explicação... Mas para ele eu não minto. Nem consigo. Na minha desatenção, disse:

- Ainda não.
- Como não? Não é sobre você, tipo um diário?
- É.
- E como é que você ainda não falou de mim?
- Não sei. Não saiu. Cada dia é uma coisa. Nenhuma coisa ainda teve você especificamente.
- Escreveu sobre a sua mãe?
- Mencionei.
- Hã?
- Mencionei lá, numa brincadeira de que ela não encarava uma cozinha.
- E sua irmã?
- Falei. Falei sobre irmãos, primos e primos dos primos.
- Primos dos primos? E nada de mim?
- Não. Sei lá, pai. É natural. Ainda não veio.
- Sua avó?
- Também já apareceu. Duas vezes. Falei do vovô também.
- O que morreu?
- É.
- Puta que o Pariu!
- (Ri. Ele ficou puto.)
- Marido?
- Pouco.
- Pouco quanto?
- No início, numa colaboração sobre o título. E um diálogo esquisito sobre merda.
- É por causa do navio?
- Que navio?
- No meu livro você era um navio e não gostou.
- (Ri de novo.)
- Sabia que isso ainda ia me dar problema. Você ficou aborrecida.
- Não, pai. Não é por causa do navio. Nem lembrava do navio.
- Como não lembrava do navio? Você não está lendo e fazendo revisão no meu livro?
- Não. Resolvi escrever o meu próprio.
- Cassete! Eu não estou no seu livro e você parou de ler o meu livro!? Quando você acha que acaba o seu?
- Falei já. É uma crônica por dia. 31 de dezembro.
- #@!%¨&*¨%$@! Ou você me coloca logo na droga do seu livro ou pára e lê o meu.

Pronto, pai. Está colocado. Obrigada por ser quem é.

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