quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Xeque-Mate

Meu dia 08 foi hoje. Alguém lá em cima trocou as datas. Hoje sim foi um digno dia 08. Um dia especial, em que aconteceram coisas boas. E olha que engraçado: sabe a Deca? A tal amiga querida que faz aniversário dia 08 de janeiro. Então, decidiu comemorar o aniversário dela hoje. Já já estou indo para lá, com o melhor dos humores. Me sentindo mais magra do que nunca!

Várias pessoas já me chamaram de criança. Nem sempre eu gosto. Mas essa parte de ficar feliz que nem criança, eu adoro. O olho brilha, vem de dentro, vem de fora, vem de tudo quanto é lado. Posso tudo. Sou quase a She-ha, mas morena.

Há coisas que nem eu, que escrevo pelos cotovelos, consigo deixar sair de tão gigantes. É como se eu quisesse preservar. São minhas, só minhas. “Não consigo dividir nem com o papel”. Eu já havia dito isso antes e é engraçado comprovar como realmente funciona assim. Não sai. Não adianta. Sinto um ciúme absurdo. É quase imaculado, puro, de verdadeiro, de infinito que nem as estrelas.

Vou contar uma história muito pessoal que eu acho que nunca falei sobre para ninguém, mas que me marcou muito. É, hoje estou meio sentimental. Molenga. Paciência. Enfim, uma vez perguntei ao meu avô, que era campeão de xadrez, qual era a graça de ficar lá jogando aquele jogo chato, lento, parado... Ele falou que um dia eu ia entender a força de um xeque-mate. Ele, que morreu bem velhinho com 96 anos, mas lúcido à beça, falava que só quem já tivesse levado um xeque-mate na vida, tinha vivido de verdade.

Na época, eu, com 14 anos, não entendia muito bem o que ele queria dizer. Achava lindo por algum motivo, mas confuso. Para mim, xeque-mate era morrer. Daí, a falta de nexo: se não tivesse levado um xeque-mate, não tinha vivido!? Como assim? De um lado era até óbvio. Para morrer tem que ter vivido. Mas não fazia sentido.

Uns quatro anos depois dele ter morrido, eu estava na casa da minha avó ajudando a empacotar as coisas porque ela ia se mudar do apartamento enorme em Copacabana, onde passei quase todos os fins de semana da minha infância, para um prédio mais perto da minha mãe e da minha tia. Ela me pediu para fazer tudo sozinha no quarto que tinha sido o escritório do meu avô. Estava intacto há quatro anos. Só a empregada entrava lá para limpar.

Mexe daqui, dali. Joguei uma porção de coisas fora, porque não sou muito fã de cacareco, até que achei um caderno grosso, de capa dura, cheio de anotações. Primeiro, fiquei sem saber o que fazer com aquilo. Mostrar para a minha avó? Mas e se houvesse coisas pessoais que fossem magoá-la por algum motivo? Jogar fora? Mas não tive coragem de jogar fora um caderno com a letra do meu avô, escrito por ele. Ler? Mas isso ia contra as minhas próprias regras de vida, que preserva a privacidade alheia. Mas ele tava morto! E, assumo, antes de ser correta, sou extremamente curiosa.

Passei uma tarde inteira e não empacotei nada. Passei uma tarde inteira lendo. Muita coisa eu não entendi. Outras, achei sem graça, a maioria. Muito formal, com palavras difíceis, sobre assuntos como a Revolução Russa. Meu avô falava seis idiomas. Além do português, falava italiano, francês, inglês, alemão e russo! Alemão e russo, ele aprendeu sozinho, lendo livros e traduzindo palavra por palavra. O cara não jogava xadrez à toa. Era a paciência em forma de gente. Tinha tanta que não deixou nem um pouquinho para mim.

Eis que chego numa página escrita mais ou menos assim: (faz tempo, não lembro exatamente e nem sei que fim levou o caderno. Acho que depois de ler tudo, dei a minha avó mesmo, já que não tinha nada de comprometedor.): 05.11.97 – ‘hoje minha neta me perguntou qual a graça do xadrez. Olhei para os olhinhos dela (isso eu me lembro bem. Ele escreveu olhinhos.) e falei que um dia ela entenderia a força de um xeque-mate. Espero do fundo do coração que minha querida neta saiba o que é sentir que algo é muito mais forte do que tudo que imaginamos até então’.

Quando encontrei o caderno, tinha 18 anos. De lá para cá, várias vezes achei que a vida estava me dando xeque-mate. Chorei muitas vezes, achei que queria morrer outras, quis sumir do mundo... Passou. Esqueci de quase tudo. E nada do meu xeque-mate aparecer. Estava ficando preocupada. Sem xeque-mate, nada de viver de verdade. Acabei esquecendo disso.

Um tempo depois, aconteceu. Me deram xeque-mate. E xeque-mate é xeque-mate. Dá para saber quando não há saída. E senti algo muito mais forte do que tudo que imaginei até então. Descanse em paz vô...
QUE EU VOU PARA A FESTA DA DECA!

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