terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Muro das Lamentações

Falei no ‘Perfil do Produtor’ da chatice que é gente que se lamenta. Pois então, acabei de chegar da farmácia. E, na fila de pagar, na minha frente, tinha uma mulher que não só se lamentava, como tinha uma voz lamentativa. Esse adjetivo nem existe, eu sei. Mas criei em homenagem a voz da moça. E, acreditem, se escutassem, iriam concordar comigo. Parecia uma coisa meio desenho animado, um timbre meio Catatau.

Aí, resolvi escrever sobre lamentação. Por que pessoas se lamentam tanto? E, na maioria das vezes, nem á para isso tudo. Porque, geralmente, quem tem motivo de sobra pra se lamentar não chega nem aos pés de um lamentador comum. Lamenta menos. Bem menos. Uma relação, assim, meio estranha, mas que convém: gente pobre deve menos do que gente rica. Algo como, gente pobre se vira, mas dá um jeito de pagar. Gente rica não paga pra dar uma de malandro e ficar mais rico ainda. Gente ferrada está na merda, mas segura e dá um jeito de sorrir. Gente chata se lamenta o tempo todo e curte essa onda deprê sem causa.

Todo mundo já passou e passa freqüentemente por aquelas situações constrangedoras de elevador. (ouvi uma, outra dia, que quase se concretizou e me fez lembrar do frio na barriga ao contrário que dá uma situação típica de elevador). Bom, uma situação bem comum ali naquele local apertado e ameaçador: você, para ser simpático, (está na convenção da sociedade que se deve ser simpático em elevadores. Nem que seja só um sorrisinho congelado...) pergunta um despretensioso e descuidado: “Tudo bem?”

O que se espera é que a outra pessoa também tenha lido a cartilha de bom comportamento e se limite a um: “tudo bem, e você?”. Daí, é a sua vez de dizer “tudo.” E pronto. Já deu tempo de chegar ao destino final. Tudo depende do ritmo da conversa. Se vocês estão no 15º e querem ir para o Térreo, a cadência entre um ‘tudo bem’ e outro deve ser arrastada, acompanhada de sobrancelhas levantando como introdução e sorrisos amarelinhos nos intervalos.

Se a distância dos andares for menor, é só acelerar esse ‘tudo bem’ aí pra não correr o risco de ter que sair do elevador com a pessoa do lado acabando de responder. Algumas viagens de prática, e dá para se tornar um expert em se livrar de situações desagradáveis no elevador. Mas... Esse é o tema. Se encontrar um lamentador no caminho (e eles estão aos montes por aí...) danou-se.

Há os que te deixam apenas sem ter o que dizer.

- Tudo bem?
- Tudo indo, né? Essas minhas dores, os médicos não sabem o que é...

E você fica lá, escutando, balançando a cabeça pra cima e pra baixo com uma espécie de bico que se mexe na boca, procurando uma expressão que possa condizer com as lamentações alheias. Se estavam no 15º e o destino é o Térreo, não há nada a fazer, a não ser respirar fundo e rezar pra chegar. E demora...

Mas, muito pior, é o lamentador que começa a falar e não pára! Aí, não é danou-se, é fudeu!

- Tudo bem?
- Ah, minha filha. Você não soube? Blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá....

As chances do monólogo sair do elevador porta à fora e continuar na portaria são imensas. Dizer que está atrasado, não adianta. Sair andando meio disfarçadamente, também não. E fingir que o telefone vibrou no bolso e atender, não vai espantar o lamentador profissional. Ele espera. Espera o tempo que for preciso. É um profissional.

A única solução é partir para a falta de educação. Eu sou mestre nela e não me arrependo nem um pouquinho. Só não consigo fazer isso com velhionhos e velhinhas. Eles são o meu ponto fraco. Mas abaixo de 60 anos, não tem direito à meia entrada e nem a meio passa-fora. Deixo falando sozinho, se for o caso. Dou uma de louca. Mas, antes, se eu puder me prevenir e subir pela escada, melhor.

E, agora, chega. Que quem está se lamentando sou eu e você ta aí lendo e balançando a cabeça pra cima e pra baixo, tentando se livrar de mim. Essa merda é contagiosa, rapaz... Sai fora!

Nenhum comentário: