quarta-feira, 14 de abril de 2010

Click

Não sou muito religiosa. Nem daquelas que quando a coisa aperta, corre para uma igreja. Pude ter a certeza exata disso quando passei pelo pior momento da minha vida, com meu filho recém-nascido na UTI e em nenhum momento me peguei pedindo a Deus. E isso sem querer. Sim, porque não sou contra quem faz promeça. Não desdenho de quem reza um terço inteiro. Não desrespeito quem acredita. Pelo contrário, sou até um pouco infeliz por não carregar comigo o que chamam de fé. Infeliz nem tanto, mas inquieta. Uma angustia sem fim sempre toma conta de mim quando sofro. Antes, eu tivesse algo em que me apegar. Acho mesmo que têm sorte, os que acham conforto em Deus ou seja lá como quiserem chamar.

Mas eu simplesmente não me envolvo. Não mergulho. Não consigo sentir, entrar na onda da religião. E, por isso, todas as vezes em que fui a uma igreja, a uma missa, a um casamento religioso, contando o meu, eu sempre me senti um pouco estranha, desconfortável. Mais ou menos como uma criança já meio grande que não aprendeu a andar direito de bicicleta. Não chego a me sentir mal. Não estou sendo falsa. Apenas não sinto o que na minha cabeça eu deveria sentir. Mas vou às vezes pela minha avó. Casei pela minha família e pela dele. Fiz cursinho de padrinhos pelo meu afilhado e agora pelo meu filho... E assim vou indo. Participando de coisas religiosas por um bem maior. Isso não pode ser pecado.

Mas isso tudo aí foi para dizer uma simples coisa: eu finalmente senti algo maior. Algo que não necessariamente tem a ver com religião, mas tem a ver com o inexplicável. Com o apenas sentir, sem que isso faça sentido.

Cheguei a sofrer durante a minha gravidez por não sentir o tal click que tantas mães dizem que sentem. Uma espécie de elo com aquele ser que elas ainda nem conhecem. Depois ele saiu de mim e eu nem tive tempo de tentar sentir alguma coisa parecida com o click almejado de todo dia. Foi tudo tão rápido e quando me dei conta aquela coisinha estava ali, frágil e indefesa, numa incubadora, lutando para sobreviver. Independente de sentir click ou não sentir click, o que me veio foi um sentimento de total responsabilidade por aquela criança e passei a funcionar quase que mecanicamente em função dela. Cada avanço, cada melhora, cada piora, cada notícia era absorvida como parte de uma missão: torcer para que ele saísse bem e vivo dali para que eu pudesse cuidar dele como ele merecia.

E chegou o dia dele sair. Pensei nesse dia muitos dias antes dele acontecer. E tinha certeza que seria ali, o click. Não foi. Talvez por estar no piloto automático há tanto tempo, sem dormir, sem comer, sem pensar direito há dias, eu não tenha conseguido sentir o que deveria. Estava muito, muito feliz, mas a tal conecção impressionante não aconteceu naquele momento.

Os dias foram passando, nós, eu e meu filho, fomos nos conhecendo, coisas incríveis foram acontecendo, eu fui me tornando mãe dia a dia, mês a mês e um amor imenso foi crescendo cada vez mais. E ainda não pára de crescer. Mas tudo isso tinha sido gradual, pouco a pouco. Nada súbito, sem sustos, sem solavancos. Sem clickes.

Até que... Até que um dia, como tantos outros que eu já tinha vivido desde que Antonio Pedro habita entre nós, eu o larguei dormindo com o pai e fui descansar porque estava num daqueles dias em que a exaustão estava acabando comigo. Desmaiei na cama. Dormi pesado como não dormia há meses a fio. Sono de pedra. E aí, de repente, não mais que de repente, eu simplesmente abri os olhos. Assim, dos braços de Morfeu direto para a Terra, sem escalas. Olhei para o teto durante três segundos, tentando lembrar ou entender o que me acordou. E, aí, a porta do quarto se abre e, ali, olhando para mim com um sorriso estava meu filhote no colo do papai. Ele tinha acordado naquele minuto e estava morrendo de fome. E no percurso do quarto dele até o meu, eu senti que ele queria mamar. Diria até que antes. Tenho cá com meus botões que acordamos juntos.

Esse foi o meu click. Um sentimento inexplicável. Uma força tamanha, uma ligação sensacional que fez meu filho conseguir me despertar de um sono profundo, apenas com a vontade de mamar, a metros de distância de mim. Parece simples, parece bobo, parece pequeno. Mas acreditem, não é. Foi uma das melhores sensações da minha vida, descobrir que eu e meu filho estamos ligados por algo maior. Por algo inexplicável.

E enfim, se fez o click.

4 comentários:

Paula disse...

Dri, que lindo... amei! beijo

Amanda Hora disse...

Vc voltou a escrever por aqui! Adorei!

Ana B disse...

lindo!

Unknown disse...

Encontrei você no Humor Vermelho. Adorei o livro!
um beijo

Márcio